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Amigo
- Cora Coralina

Vamos conversar
Como dois velhos que se encontraram
no fim da caminhada.
Foi o mesmo nosso marco de partida.
Palmilhamos juntos a mesma estrada.

Eu era moça.
Sentia sem saber
seu cheiro de terra,
seu cheiro de mato,
seu cheiro de pastagens.

É que havia dentro de mim,
no fundo obscuro de meu ser
vivências e atavismo ancestrais:
fazendas, latifúndios,
engenhos e currais.

Mas… ai de mim!
Era moça da cidade.
Escrevia versos e era sofisticada.
Você teve medo. O medo que todo homem sente
da mulher letrada.
Não pressentiu, não adivinhou
aquela que o esperava
mesmo antes de nascer.

Indiferente
tomaste teu caminho
por estrada diferente.
Longo tempo o esperei
na encruzilhada,
depois… depois…
carreguei sozinha
a pedra do meu destino.

Hoje, no tarde da vida,
apenas,
uma suave e perdida relembrança.
Lua-Luar
- Cora Coralina

Escuto leve batida.
Levanto descalça, abro a janela
devagarinho.
Alguém bateu?
É a lua-luar que quer entrar.

Entra lua poesia
antes dos astronautas:
Gagarin da terra azul,
Apolo XI que primeiro passeou solo lunar.

Lua que comanda os mares,
a fúria dos vagalhões
que vem morrer na praia.
O banzeiro das pororocas.

Lua dos namorados,
das intrigas de amor,
dos encontros clandestinos.
Lua-luar que entra e sai.

Lua nova, incompleta no seu meio arco.
Lua crescente, velha enorme, fecunda.
Lua de todos os povos
de todos os quadrantes.

Lua que enfurece o mar e em chumbo,
acovarda barcos pesqueiros.
O barqueiro se recolhe.

O pescado volta às redes.
O jangadeiro trava amarras.
Gaivotas fogem dos rochedos.

Lua cúmplice.
Lésbica lua nascente,
andrógina — lua-luar.
Lua dos becos tristes
das esquinas buliçosas.
Luar dos velhos.
Das velhas plantas sentenciadas.
Do sopro morto
dos bordões, rimas, violinos.

Lua que manda
na semeadura dos campos,
na germinação das sementes,
na abundância das colheitas.

Lua boa.
Lua ruim.
Lua de chuva.
Lua de sol.

Lua das gestações do amor.
Do acaso, do passatempo
Irresistível,
responsável, irresponsável.

Lua grande. Lua genésica
que marca a fertilidade da fêmea
e traz o macho para a semeadura.
O fruto aceito —
mal aceito: repudiado, abandonado,
A semente morta
lançada no esgoto.
A semente viva palpitante
deixada em porta alheia.
SOBRE CORA CORALINA

Simples, muito próxima do gosto popular, fluindo com a naturalidade de um riacho entre pedras. A água é límpida, cristalina. Sacia a sede. Assim é a poesia de Cora Coralina, apesar da poetisa nela descobrir uma certa dureza, como expressa no poema

"Das Pedras":

Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.
Uma estrada,
um leito,
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.
Entre pedras
cresceu a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras
e plantando flores.
Entre pedras que me esmagavam
levantei a pedra rude
dos meus versos.

Esses versos, de cunho autobiográfico, de certo modo, são injustos em relação à obra da autora, mas reveladores de suas mágoas com a vida.

Ana Lins dos Guimarães Peixoto Brêtas, que mais tarde adotou o pseudônimo de Cora Coralina, nasceu em Goiás, então capital do estado de mesmo nome, em 1889, numa família de grandes proprietários rurais empobrecidos.

Infância "intimidada, diminuída, incompreendida". Indiferença da mãe. Casamento com um homem separado da primeira esposa, um escândalo, a fuga do casal para São Paulo. Teve seis filhos. Com a morte do marido, após 45 anos de ausência, regressa a Goiás, onde faleceu em Goiânia, em 1985.

Esses fatos, aguçados pela sensibilidade extrema, criaram um fundo pétreo, duro, na poesia de Cora Coralina. Talvez também em sua alma.

Mas, ela só é dura quando fala de si mesma, de seu sentimento de inferioridade, da menina que foi um dia, "feia, medrosa e triste".

Quando olha para o seu semelhante predomina a simpatia humana, sobretudo pelos humilhados e perseguidos, como comprovam os comoventes poemas dedicados à "Mulher da Vida", à "A Lavadeira", ao Menor Abandonado".

O coração era mole. Afinal, dureza para si mesmo e amor e tolerância pelo próximo são provas de grandeza espiritual.

............

Hoje falamos do lado poético de Cora Coralina. Amanhã tem mais. Falaremos sobre alguns textos e mensagens escritas por ela. Aguardem.
Desistir… eu já pensei seriamente nisso, mas nunca me levei realmente a sério; é que tem mais chão nos meus olhos do que o cansaço nas minhas pernas, mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros, mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça.
- Cora Coralina

@PortuguesTotall
Se temos de esperar, que seja para colher a semente boa que lançamos hoje no solo da vida. Se for para semear, então que seja para produzir milhões de sorrisos, de solidariedade e amizade.
- Cora Coralina

@PortuguesTotall
Não podemos acrescentar dias a nossa vida, mas podemos acrescentar vida aos nossos dias.
Cora Coralina

@PortuguesTotall
Poeta não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima à autenticidade de um verso.
- Cora Coralina

@PortuguesTotall
A estrada da vida pode ser longa e áspera. Faça-a mais longa e suave. Caminhando e cantando com as mãos cheias de sementes.
- Cora Coralina

@PortuguesTotall
Bem por isso mesmo diz o caboclo: a alegria vem das tripas, barriga cheia, coração alegre. O que é pura verdade.
- Cora Coralina

@PortuguesTotall
2024/09/28 17:19:19
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